quarta-feira, maio 23, 2007

O mau aluno...

A carreira académica de Diogo Freitas do Amaral culminou ontem, com uma concorrida e mediática aula de júbilo. O percurso público do prof. Freitas do Amaral justifica, para lá da carreira académica propriamente dita, o assédio político-mediático ao auditório da reitoria da UNL, com políticos dos mais diversos quadrantes como alunos virtuais, entre os quais o próprio primeiro-ministro. Hoje, os cabeçalhos do Público destacavam o reparo analítico do professor, que na sua aula derradeira sublinhou a regionalização como exigência constitucional ainda por cumprir. Os "alunos" ouviram e, terminada a aula, vestiram-se novamente da sua pele de jornalistas, políticos, figuras públicas, para reproduzirem em palco mediático o discurso proferido em cenário académico. Reagindo à prelecção, sujeitaram a um espontâneo exame oral o aluno José Sócrates, rogando-lhe reacção à inconstitucionalidade assinalada pelo professor de Direito Administrativo. A resposta foi esclarecedora.
De acordo com o jornal Público, o primeiro-ministro afirmou abertamente que não há conveniência em regressar ao tema da regionalização, por não estarem reunidas as garantias de que o assunto pudesse ser votado positivamente pelo povo português...
... Pelo "aluno" José Sócrates, ficamos a saber que os recursos democráticos só valem a pena se pudermos garantir que triunfa a posição que mais nos convém.

quarta-feira, maio 09, 2007

CSI – Um desabafo!

Narrava a própria Grace Kelly. De cada vez que estreava um filme de Hitchcock, que a própria protagonizava, sentia ganas de entrar pela tela dentro para avisar a sua personagem dos perigos em que incorria. Já Hitchcock, por seu turno, avisava cinicamente os espectadores, “não se preocupem, que é só um filme!” O que é facto é que todas estas reacções assentam num quadro estável de previsão quanto ao comportamento que cada filme pode ou deve suscitar; mas há derrapagens quanto ao modo como reagimos à película que fogem a todos os moldes, a todas as previsões…

Veja-se o CSI.

A aclamada série colhe reacção entusiástica, crítica favorável, encómios inflamados por todo o globo, facto que, estou em crer, é da mais evidente justiça. Mas sublinho a frase anterior: estou em crer

É que neste que aqui escreve, cada episódio da referida série exerce um efeito soporífero mais potente do que um dardo tranquilizador para elefantes, de tal modo que todos os assassinatos ficam num domínio de indiferente irresolução, furtando-se os criminosos pelos túneis inacessíveis proporcionados pelo meu sono. Um autêntico território de impunidade! E não, não se justifica pela hora tardia, ou pelo cansaço crepuscular do espectador. Desconfiado, fiz a experiência passar pelas mais exigentes variáveis, repeti hipóteses, transformei a minha sala de estar num autêntico laboratório CSI, e de todas as vezes o resultado confirmou a hipótese – adormeci a meio!

E a conclusão, não sendo evidente, é relativamente simples. Neste intervalo essencial e antigo entre transgressores e cumpridores, pecadores e justos, ardilosos ladrões e sofisticados polícias vou dormindo a bom dormir: Caio Sistematicamente Inconsciente o que me torna Culpado de Sonolência Irremediável. Sim, enganem-se aqueles que julgariam, ao ler as primeiras linhas deste desabafo, que eu viria taxar a série como uma Cajadada Sonolenta e Inócua, facto que me tornaria num Crítico Simplificador e Individualista. Não cedo, pois, ao que seria uma Cabala Sinuosa, Inconsistente. O que direi, isso sim, é que os Cardumes de Sonhos Intangíveis que me são lançados pelo CSI já me têm valido protestos exclamativos – Carago, a Série é Imperdível! – aos quais Cedo Sem Invectivas. Digo apenas, numa escusa breve e sonâmbula, que mais criminoso que polícia vou penando até aparecerem os próximos Sopranos. Até lá, frente à deusa televisão, assumo-me apenas como um

Cosmonauta do Sono – Inadmissível!

segunda-feira, maio 07, 2007

Mais um não-post

...entra Maio, o tempo das cerejas.

Não pode deixar de ocorrer, algures, por entre a sucessão comezinha dos dias no coleccionar sonolento das horas, a famosa canção francesa tomada de empréstimo para simbolizar a francesa “semana sangrenta” de um Maio longínquo, no contexto da célebre comuna de Paris.

Séculos volvidos, esta música serviu já outros contextos belicosos, aflorando os lábios de outras pessoas, mais ou menos “descamisadas”, diferentemente excluídas; recentemente, surgiu como protesto contra a brutalidade palavrosa e bem-vestida de um tal de Nicolas Sarkozy...

Um não-post é um paradoxo, um horizonte tensional de negação, como se o «não » dependesse directamente do registo que pretende negar. Um não-post afirma, regista, rejuvenesce nos escombros de uma não-democracia que vai colonizando todos os espaços em que tão garbosamente se passeia. Um não-post vai trauteando o tempo das cerejas – «Mais il est bien court le temps des cerises» – balanceado entre a suavidade de um lamento e uma breve mas esperançada ânsia de transformação.

Quando triunfam os estados de polícia, a vigilância securitária, os « impérios » da uniformização e o convívio permanente com o aviltamento dos mais fracos, aí está um não-post num tempo de cerejas, fruta de rotunda e rubra delicadeza capaz de resistir aos argumentos musculados dos impropérios fascistas, dos gestos de chantagem e de agressão feitos e perpetuados com o aceno indiferente da maioria.

Se a não-democracia se organiza e se desculpa com o jogo democrático, é justo, então, que nele sustentemos um certo hábito do Não: do não-post que, com a fragilidade de uma cereja, irrompe por Maio dentro no convite da sua cor efémera. Com desejos de Maio e num não-post, glorifiquemos então, num espaço mínimo da imensa urbe cibernética a persistência frutuosa de uma certa Democracia, com a desolação disfarçada no canto de um hino antigo:

« J'aimerai toujours le temps des cerises »...

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