terça-feira, dezembro 25, 2007

Still inocents after all these years?!

Numa qualquer ocasião, certamente natalícia, o poeta António Gedeão caracterizava a persistência dos sonhos numa metáfora infantil: “como uma bola colorida, nas mãos de uma criança”. E, nesta espontaneidade sem medida, o progresso do tempo deixava-se sonhar, saltitante! A infância era aqui, obviamente, signo de uma dinâmica sem programa e sem previsão, como sonho sem cartografia. Certo!

Porém, nos antípodas do gesto de Gedeão, vive o Coro de St. Amaro de Oeiras.

O primeiro registo vocal desse clássico assassino que todos conhecem data do tempo da Expansão ultramarina. Desde aí, de ano para ano, há um refrão desafortunado que “deseja um bom natal, para todos nós”, insistente, repetido por estes pequenos demónios em tom fastidioso de velhos do Restelo. Não é preciso ver o “Senhor das Moscas” para perceber que há uma perversidade instalada no âmago destas existências infantis, quando percebemos que este grupelho demencial não muda a voz. Apesar do coro já ter cinco séculos, o que é certo é que o tom é sempre o mesmo, sem a mínima variação, sem que a música se despenteie por qualquer variação fónica… E assim se fura a bola colorida do sonho de Gedeão.

Serve o presente para dizer, pois, que se estivéssemos num país civilizado, há muito se tinha desmanchado a impunidade deste pequeno exército de sodomitas. E que o seu lugar estaria nas chamas purificadoras dos Autos de Fé, que não nesse panteão de almas honestas a que se chama “Natal dos Hospitais”. De resto, o Toy vai desafinando, o José Cid, sob os nossos olhos, vai entrando em putrefacção, e até o bom do Sala dá lugar ao São Jorge Gabriel. Só os putos é que não crescem; só o diabo dos meninos canta sempre da mesma maneira desde o Tratado de Tordesilhas… Vade Retro, coro de St. Amaro!

E, para todos e todas, um Bom Natal!

quinta-feira, dezembro 20, 2007

Desafio: 5 filmes - 5 bandas sonoras

No cinema, a música tem, a meu “ver”, um estatuto específico. Ela é, predominantemente, um exercício de sublinhado, uma pontuação sobre o texto fílmico, uma sinalização do acontecimento. Porém, na melhor das hipóteses, ela deixa de ser recurso para ser o fulcro de tudo o que acontece. E aqui, a música deixa de ser música para passar a ser cinema.


Por isto, escolhi emagrecer o desafio que me lança a rtp, do Tretas & Letras, para seleccionar alguns momentos que, para mim, são exemplos perfeitos de música-cinema. Eles aqui vão, nota por nota:



1. É evidente: 2001 Odisseia no Espaço. O mestre Kubrick, em imagens de beleza imensa, põe os planetas a dançar ao som de Danúbio Azul. Os recursos estão lá: Natureza e Música precedem a construção fílmica. Na astronomia combinada com a música, a cultura dança a valsa com a natureza pelo olhar de Kubrick; já o resultado é quase sobrenatural.


2. Segundo momento, com o par Leone/Morricone. O filme Once upon a time in the West é uma narrativa de silêncios. Pouco diálogo e olhares gelados, horizontes contaminados pelo amarelo do deserto e, sem explicação, a implacável frieza do homem da harmónica. É à música que recorremos para nos preencher o vazio da história, já que desde cedo pressentimos, com razão, que é esse o único recurso possível. E a harmónica só se silenciará no epílogo, como enunciado do enigma e sua solução.


3. Com Casablanca. A marcha nazi ergue-se em triunfo, ante a impassibilidade acomodada do café. A confraternização esconde os lados em que a História se disputa, entre verdugos e condenados, numa divisória esbatida pela neutralidade do lugar. Até que ecoa, em contracorrente, a Marselhesa. O canto, plural, com traços idiomáticos diversos, expressa a abnegação resistente que se exige, que era urgente. Quem tenha o mínimo vestígio de sensibilidade histórica não pode ficar indiferente a tal cenário... Não sei se Baptista Bastos se Álvaro Guerra, um deles conta que, em idêntico ambiente “neutral”, na Lisboa do Estado Novo, a cena acabava invariavelmente com carga policial sobre os cinéfilos que, incontidos, erguiam vozes em coro com a película. A vida imita a arte!


4. Lost in Translation. Pouco dado a dialécticas, sou igualmente pouco afoito a sínteses. Não me parece, pois, que essa cidade que entra pelos olhos dentro, ao som de Just Like Honey, dos Jesus & Mary Chain, tenha alguma função de súmula. Ela é, isso sim, a pluralização quase babélica de Lost in Translation. Ela é, na sua cadência entusiasmante, a proliferação da música pela cidade, na sua infinita possibilidade de encontros, desencontros - singulares de cada vez.


5. Finalmente, temos Tarantino. É a escolha mais evidente e a menos trabalhosa. Em qualquer dos seus filmes, a música aparece com uma espécie de gozo que não se distingue de um visível e imenso prazer em fazer cinema. Uma diversão quase juvenil, de tal modo que ver Tarantino é quase correlativo a ouvir a Banda Sonora de Tarantino, a reviver a cena de Tarantino, a transpor Tarantino para o nosso próprio e particular contexto. Não sabemos, pois, se é música ou cinema o modo como os toques dos telemóveis polifónicos insistem em apropriar momentos “tarantinianos”.

Não sei se cumpri inteiramente o desafio, nem se tive unhas para tocar esta guitarra. Porém, agradecendo à rtp, aproveito para delegar esta missão. E dado que resisto, ferreamente, à tentação dos mails em cadeia, dos posts em cadeia ou de qualquer coisa que me coloque na cadeia, declaro simplesmente a minha curiosidade para saber como é que...

...o Lois, a Elentári, a Redonda e o Taxista descalçariam esta bota.

Aceitem ou não, fica o convite!

segunda-feira, dezembro 10, 2007

Eduardo Cintra Torres, revelando alguns pormenores relativos à produção do último episódio, não deixou de dizer que a América ganhou a saga que nunca teve...











Menos hiperbólico, digo apenas que esta é a primeira segunda-feira de luto profundo, pelo final da série mais perversamente irónica que este triste início de século pôde fruir!

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