quinta-feira, janeiro 10, 2008

O Mistério do Gira-Pratos

Sabemos. Sentimos. Há, pela cidade, perigos em esconsas vielas, onde se abrigam seres infectos, face aos quais o próprio Charles Manson se confundiria com o Jorge Gabriel. O chão desta realidade, mais sólida que um torrão de Alicante do tempo do generalíssimo Franco, é podre de mais para a alvíssima fonte do transeunte; que, lá dizia a mãezinha, é tão imaculado e puro que até nem fuma, o Santo!

Perigos há que são mais perigosos que o perigo, e nenhum é mais temível, mais aviltante ou mais ruim do que o fado dos Mártires da Liberdade. O conspícuo leitor, insuspeito de qualquer acto criminoso ou de qualquer ilícito, o cidadão imune a qualquer perversão, vai respirando mais pesadamente ao passar neste sítio. Como sabe o viajante que aqui passa, tresandando respeitabilidade da cabeça aos pés, um perfume de mistério enoja os narizes do carácter, fazendo empalidecer as almas puras e homologadas pela ASAE.

Lá viu fechar o “Sem + nem –“, lá assistiu à derrapagem arquitectónica em que hoje a encontramos, mas mantinha com orgulho o bastião Gira-Pratos, com o seu toque francês e o seu ar Great Gatsby. Porém, como disse o intelectual (Goethe ou Sarkozy, não me lembro!), nada se santifica ao ponto de se tornar inexpugnável. E o Restaurante, que até tinha clientes e até respirava sofisticação, tem desde há dois meses um dístico a lamentar que está fechado. Não há pior morte que aquela que se sabe morta; e que como morta se anuncia…

Conscientes dos inexpugnáveis mistérios da Rua, sabemo-nos isentos de respostas, mas prenhes de conjecturas… O que terá acontecido ao Gira-Pratos?

Não sabemos se o “Chef”, alucinado por míscaros duvidosos, se terá afogado no tempero dos escargot – pensando mergulhar na piscina do Holme`s Place;

Ou se o burguês enojado, precavendo-se contra o assombroso aumento das pensões, boicotou o sítio que, outrora carote, ficava ao presente tão acessível que poderia tornar-se uma filial do Inatel;

Ou se aquele sócio tão bem-posto terá levantado âncora com os rendimentos, tolhendo o restaurante num passivo fatal – morte passiva, e ainda por cima macaca!

Ou se um qualquer infame fumador lhe expirou nicotina em cima, infestando-o de carcinomas – morte macaca, e ainda por cima passiva!

Não sabemos o que se passou com o Gira-Pratos, mas eu, que moro aqui pertinho, juro que nas noites mais negras ainda ouço o cof-cof do inevitável mordomo... E também que, brincadeiras à parte, um sítio assim faz falta; e é reconfortante; e faz bem!

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