terça-feira, dezembro 19, 2006

Cultura light

Esgotada que está a paciência para programas sensacionalistas como o “Big Brother” ou “Quinta das Celebridades” parece já encontrada uma nova receita de sucesso no mundo televisivo.
Assenta numa lógica de Marketing interessante, que vi discutida numa televisão internacional (só podia...). Passo a explicá-la:

Imaginemos que se pretende erguer um negócio na área da restauração, que estabelece como elemento crítico de sucesso o factor “originalidade”. Mas como podemos ser originais perante tanta diversidade? É fácil! Basta eliminarmos algo que pareça de todo indispensável ao negócio, como por exemplo as cadeiras ou porque não... o cozinheiro.
Se eliminarmos as cadeiras passamos a ter, não um restaurante, mas antes um snack-bar para refeições ligeiras de “pegar e andar”.
Se por outro lado tirarmos o cozinheiro, damos ao cliente a liberdade de, ele próprio criar a sua refeição, pondo de lado a marmita que o acompanha diariamente para o trabalho.

Et voilà, um restaurante original!

Se extrapolarmos o raciocínio anterior à “caixa mágica” passamos a entender porque assistimos com regularidade à presença de figuras da nossa praça, em áreas que em nada lhes dizem respeito. O que torna original e supostamente apelativa a sua participação, é a total inaptidão ao cargo que representam, eliminando, à semelhança do que se fez no restaurante, um elemento que parecia indispensável ao sucesso de qualquer profissional: a competência.
A título de exemplo:

Sérgio Godinho – Comentador desportivo ( e cantor nos tempos livres!)
João Malheiro – Comentador de “A tertúlia cor-de-rosa” (ex-director de comunicação do Benfica!)
Liliana Santos – Cozinheira (actriz de “Morangos com Açúcar”, apresentadora do “TOP+” e a título mais recente, a musa inspiradora deste blog!)
Pegando neste último exemplo e para não fugir a tónica gastronómica de que se reveste este post, cai que nem ginjas a velha máxima popular:

“Todo o burro come palha, a questão é saber-lha dar!”

quinta-feira, dezembro 14, 2006

As "filhas da... mãe" ou "Tudo que há a dizer sobre Carolina"


Abrem telejornais, invadem as televisões, vendem papel. Este post serve apenas para classificar as verdades de caixa alta que nos vêm inundando.
Tolerem-se então algumas assombrações, acomodadas neste arrazoado de palavras desabafantes, consequência de uma excessiva leitura de jornais e da loucura de uma música de Chico Buarque. Registo, com muita estranheza, que ela hoje não me saiu da cabeça. Seguirá, pois, acompanhando o post, a rebate esquizofrénico, entre parêntesis rectos. ["Carolina/ Nos seus olhos fundos/Guarda tanta dor/A dor de todo esse mundo"]
Sabemos hoje do poder da palavra, da palavra pública. Por isso, cada vez mais se reabilita a tradição religiosa da obra testemunhal: eu vi, eu e só eu experienciei e, por isso mesmo, eu digo-vos a verdade dos factos. A obra testemunhal é, então, sucesso editorial garantido. Mas quem é a testemunha? ["Eu já lhe expliquei que não vai dar/ Seu pranto não vai nada mudar/ Eu já convidei para dançar/ É hora, já sei, de aproveitar"]
O filósofo Jacques Rancière lembra-nos que, muito antes do sistema judiciário, já a testemunha se definia numa dupla vertente: a testemunha teve uma experiência singular sobre o ocorrido; nela se investe o acto de dizer a verdade narrando a situação, dada a sua credibilidade e honorabilidade… A testemunha é como a mãe zelosa, pela qual a verdade vem à luz. ["Lá fora, amor/ Uma rosa nasceu/ Todo mundo sambou/ Uma estrela caiu"]
Porém, há práticas e horizontes dominantes que determinam o rumo das verdades. Se o sensacionalismo, o escândalo, a podridão são teses válidas e lucrativas, a verdade deve desenhar-se nestas mesmas coordenadas, com testemunhas ávidas em fazer obras dizendo que sim, que viram e ouviram, que houve arrastão em Carcavelos e Tsunamis na Praia da Rocha… A realidade mediática pede verdades que a confirmem; roga por mães que as possam parir. [..."Nos seus olhos tristes/ Guarda tanto amor/ O amor que já não existe"]
Glória, pois, à testemunha! Ela é a mãe da verdade e a parturiente da justiça. Salve a essa maternidade palavrosa, parideira prolífica da lei e defensora da grei. Espalhe ela a palavra, em forma de livro, de vídeo ou de CD, que são multiformes, hoje, os meios para difundir pelo mundo os seus filhos dilectos… ["Eu bem que avisei, vai acabar/ De tudo lhe dei para aceitar/ Mil versos cantei pra lhe agradar/ Agora não sei como explicar"]
Pois é. Vão vingando as obras, filhas das testemunhas que as possibilitaram. Estas filhas irrequietas abundam no espaço deste tempo e mesmo no tempo deste espaço. Que cresçam e se multipliquem como filhas legítimas dessa testemunha impoluta, que eu, enquanto lhe dedico um post, lá vou assobiando a melodia: ["Eu bem que mostrei a ela/ O tempo passou na janela/ Só Carolina não viu"]
“Só Carolina não viu”, que o doce nascimento da verdade nos discursos é incompatível com a propriedade do salgado, que teima em condimentar-lhe o sobrenome.

Esclarecimento

Ao meu post de 6/12/2006, o Funes presenteia-me com a resposta que a seguir se transcreve:
«Pois eu, Senhor Aristóteles, acredito nos actos performativos.Ainda ontem estive na Assembleia Geral de determinada sociedade e o Presidente da Mesa, a certa altura disse:- está encerrada a sessão!As pessoas continuaram a discutir, mas a sessão estava encerrada e o Presidente foi-se embora. Tinha dito que estava encerrada a sessão e a sessão ficou encerrada, porque ele o disse.Ora, eu estou absolutamente convencido que, ao contrário do que V. Ex.ª afirma, isto também funciona com o ar condicionado.Experimentou V. Ex.ª virar-se para o aparelho e dizer, p. ex.: "está a temperatura absolutamente ideal!"?Tenho a certeza que não experimentou. E depois vem para aqui dizer mal do aparelho.Mas se, porventura, experimentou e não resultou, também não pode acusar a máquina, mas a sua falta de fé. Se tivesse dito com suficiente convicção teria resultado e sentir-se-ia logo quentinho. Neste último caso, só posso recomendar-lhe a visita a uma catedral da fé (a do vale Formoso, p, ex.), para fazer a corrente do ar condicionado
Para além de aludir a alguns elementos de mecânica de funcionamento do universo que, a meu ver, devem ser referidas entre os irmãos da confraria e não nas páginas públicas de um blogue, este comentário ainda atribui à minha pessoa um comportamento céptico, ou mesmo ateísta, que não corresponde à realidade. Entendo, por isso, responder em post próprio.
O amigo Funes, que não gosta de Eduardo Lourenço, acaba por reproduzir sem querer um episódio protagonizado pelo ensaísta, denunciando assim, para grande transtorno dos "funestos", uma mundividência comum ao Corifeu luso. Diz-se que certa vez, quando o carro se lhe avariou em plena viagem, Eduardo Lourenço pedia constantemente ao carro para se portar com juízo, como “carrinho lindo” que era. Depois de interpelar a viatura, justificava o seu acto com um dito sibilino: “É preciso não deixar de acreditar no lado mágico das coisas”. Também eu tenho a minha fé privada, mas não tão optimista. Por acreditar que o universo age caprichosamente ao contrário do que desejo, tento pedir às coisas para agirem ao contrário do que é conveniente. Resultou até dada altura só que, agora, os deuses já toparam o esquema e cismam em me obedecer, para meu desagrado.

Daqui se conclui que a solução do Funes é totalmente ineficaz!

quarta-feira, dezembro 06, 2006

O Pesadelo do Ar Condicionado

Poderia ser um post à Henry Miller… Não é. Trata-se apenas de uma constatação chorosa, ao verificar uma vez mais que as coisas não são feitas à nossa medida, ao nosso gosto ou soberano capricho… John Searle, na célebre teoria dos speech-acts, distinguiu o nível constativo do discurso – quando este se processa de acordo com uma simples enunciação – do nível performativo - quando as palavras visam modificar, alterar ou influir no acto de dizer. A razoabilidade de Searle é evidente, clara mas, ao nível dos objectos, pouco aplicável, quando verificamos que viver num mundo de utensílios é mergulhar no domínio do caos discursivo. E então entramos no domínio do pânico existencial. Analise-se a situação seguinte…

Imaginemos uma noite de frio, de gelo glaciar e impiedoso. Imaginemos um ar condicionado e uma plataforma de botões, simples na sua lógica binária. Combinando o factor “frio” com a facilidade “Ar Condicionado”, fácil será perceber que o primeiro impulso do ser enregelado é aligeirar-se a carregar no botão para obter, se não o clima pecador dos trópicos, pelo menos uma temperatura de serenidade contemplativa. Porém, a angústia kierkegaardiana do Aut Aut ressurge ao nosso ser invernal quando, na escolha entre os botões a premir, um deles ostenta um sol sorridente, enquanto o outro o presenteia com uma estrelinha mirrada. Detenhamo-nos, sem mais delongas, no botão do sol.

Se o objecto “ar condicionado” organiza o seu discurso a um nível constativo, ele claramente afirma à solidão gelada da noite invernosa que é desaconselhável premir o botão do sol, já que desse gesto resultará uma baforada de ar fresco passível de constipar o próprio Neptuno. Ao contrário, se impera a lei do desejo e o acto discursivo performativo, esse botão solarengo é claramente a solução desejada, por transportar no pequeno ícon um mundo de preguiça redentora e acalorada. Ou seja, cada discurso possível dita-nos um plano de acção diametralmente invertido!

A tensão da escolha nem sequer é resolvida com o tradicional método de ensaio-erro, já que os objectos, tal como os mortais que os conceberam, passam por um período de adaptação à ordem recebida, como se verifica, por exemplo, quando a torneira de água quente se recusa, inicialmente, a fornecer o líquido a temperatura aceitável. Por isto mesmo, dada a multiplicidade de objectos a que recorremos e a recusa(/resistência) numa uniformização da sua linguagem, mantém-se a dúvida existencial face à insuficiência da lógica. E lá nos vamos enregelando, na seca de não saber o que fazer. A pergunta surge e ressurge, sem resposta definitiva:

- Será que os objectos se nos dirigem de acordo com a lógica da constatação ou, pelo contrário, de acordo com a emergência do desejo – é constativo ou performativo o seu acto de fala?

Propomos então um mundo de uniformização linguística para as ferramentas, no mesmo lance em que proclamamos festivamente a pluralidade de línguas entre os humanos. E até que este passo primordial de domínio sobre o utensílio seja dado, suportemos pacientemente o frio…

Contra ele valha-nos simplesmente (e isso ficará para outro post) a Termo-Tebe!

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