O Pesadelo do Ar Condicionado
Poderia ser um post à Henry Miller… Não é. Trata-se apenas de uma constatação chorosa, ao verificar uma vez mais que as coisas não são feitas à nossa medida, ao nosso gosto ou soberano capricho… John Searle, na célebre teoria dos speech-acts, distinguiu o nível constativo do discurso – quando este se processa de acordo com uma simples enunciação – do nível performativo - quando as palavras visam modificar, alterar ou influir no acto de dizer. A razoabilidade de Searle é evidente, clara mas, ao nível dos objectos, pouco aplicável, quando verificamos que viver num mundo de utensílios é mergulhar no domínio do caos discursivo. E então entramos no domínio do pânico existencial. Analise-se a situação seguinte…
Imaginemos uma noite de frio, de gelo glaciar e impiedoso. Imaginemos um ar condicionado e uma plataforma de botões, simples na sua lógica binária. Combinando o factor “frio” com a facilidade “Ar Condicionado”, fácil será perceber que o primeiro impulso do ser enregelado é aligeirar-se a carregar no botão para obter, se não o clima pecador dos trópicos, pelo menos uma temperatura de serenidade contemplativa. Porém, a angústia kierkegaardiana do Aut Aut ressurge ao nosso ser invernal quando, na escolha entre os botões a premir, um deles ostenta um sol sorridente, enquanto o outro o presenteia com uma estrelinha mirrada. Detenhamo-nos, sem mais delongas, no botão do sol.
Se o objecto “ar condicionado” organiza o seu discurso a um nível constativo, ele claramente afirma à solidão gelada da noite invernosa que é desaconselhável premir o botão do sol, já que desse gesto resultará uma baforada de ar fresco passível de constipar o próprio Neptuno. Ao contrário, se impera a lei do desejo e o acto discursivo performativo, esse botão solarengo é claramente a solução desejada, por transportar no pequeno ícon um mundo de preguiça redentora e acalorada. Ou seja, cada discurso possível dita-nos um plano de acção diametralmente invertido!
A tensão da escolha nem sequer é resolvida com o tradicional método de ensaio-erro, já que os objectos, tal como os mortais que os conceberam, passam por um período de adaptação à ordem recebida, como se verifica, por exemplo, quando a torneira de água quente se recusa, inicialmente, a fornecer o líquido a temperatura aceitável. Por isto mesmo, dada a multiplicidade de objectos a que recorremos e a recusa(/resistência) numa uniformização da sua linguagem, mantém-se a dúvida existencial face à insuficiência da lógica. E lá nos vamos enregelando, na seca de não saber o que fazer. A pergunta surge e ressurge, sem resposta definitiva:
- Será que os objectos se nos dirigem de acordo com a lógica da constatação ou, pelo contrário, de acordo com a emergência do desejo – é constativo ou performativo o seu acto de fala?
Propomos então um mundo de uniformização linguística para as ferramentas, no mesmo lance em que proclamamos festivamente a pluralidade de línguas entre os humanos. E até que este passo primordial de domínio sobre o utensílio seja dado, suportemos pacientemente o frio…
Contra ele valha-nos simplesmente (e isso ficará para outro post) a Termo-Tebe!
Imaginemos uma noite de frio, de gelo glaciar e impiedoso. Imaginemos um ar condicionado e uma plataforma de botões, simples na sua lógica binária. Combinando o factor “frio” com a facilidade “Ar Condicionado”, fácil será perceber que o primeiro impulso do ser enregelado é aligeirar-se a carregar no botão para obter, se não o clima pecador dos trópicos, pelo menos uma temperatura de serenidade contemplativa. Porém, a angústia kierkegaardiana do Aut Aut ressurge ao nosso ser invernal quando, na escolha entre os botões a premir, um deles ostenta um sol sorridente, enquanto o outro o presenteia com uma estrelinha mirrada. Detenhamo-nos, sem mais delongas, no botão do sol.
Se o objecto “ar condicionado” organiza o seu discurso a um nível constativo, ele claramente afirma à solidão gelada da noite invernosa que é desaconselhável premir o botão do sol, já que desse gesto resultará uma baforada de ar fresco passível de constipar o próprio Neptuno. Ao contrário, se impera a lei do desejo e o acto discursivo performativo, esse botão solarengo é claramente a solução desejada, por transportar no pequeno ícon um mundo de preguiça redentora e acalorada. Ou seja, cada discurso possível dita-nos um plano de acção diametralmente invertido!
A tensão da escolha nem sequer é resolvida com o tradicional método de ensaio-erro, já que os objectos, tal como os mortais que os conceberam, passam por um período de adaptação à ordem recebida, como se verifica, por exemplo, quando a torneira de água quente se recusa, inicialmente, a fornecer o líquido a temperatura aceitável. Por isto mesmo, dada a multiplicidade de objectos a que recorremos e a recusa(/resistência) numa uniformização da sua linguagem, mantém-se a dúvida existencial face à insuficiência da lógica. E lá nos vamos enregelando, na seca de não saber o que fazer. A pergunta surge e ressurge, sem resposta definitiva:
- Será que os objectos se nos dirigem de acordo com a lógica da constatação ou, pelo contrário, de acordo com a emergência do desejo – é constativo ou performativo o seu acto de fala?
Propomos então um mundo de uniformização linguística para as ferramentas, no mesmo lance em que proclamamos festivamente a pluralidade de línguas entre os humanos. E até que este passo primordial de domínio sobre o utensílio seja dado, suportemos pacientemente o frio…
Contra ele valha-nos simplesmente (e isso ficará para outro post) a Termo-Tebe!
6 Comments:
Sinto-me um rato de laboratório...
Entretanto, já descobri: é performativo! Bastou entrar no quarto (duas horas depois de arriscar na estrelinha) para que o ar – pouco condicionado – mo permitisse constatar.
Bom dia!!!!
...acho que a razao deste teu panico existencial é a velhinha lei da inercia...
Como sempre, delicioso e filosofico ensaio sobre as coisas e os gestos comuns...
Beijicos
E há uma coisa, Amigo Philósóph, que te digo: "Take Me Out Of This Air Conditioned Nightmare".
Não percebo onde é que a geração dos hippies de merda anda com a cabeça: não há sítio onde não se fique cheio de calor... em pleno Inverno!
O Inverno é para ter frio, porra!
:()
e a da termo-tebe deve ser bem interessante. fico à espera.
ainda me lembro do slogan ;)
Pois eu, Senhor Aristóteles, acredito nos actos performativos.
Ainda ontem estive na Assembleia Geral de determinada sociedade e o Presidente da Mesa, a certa altura disse:
- está encerrada a sessão!
As pessoas continuaram a discutir, mas a sessão estava encerrada e o Presidente foi-se embora. Tinha dito que estava encerrada a sessão e a sessão ficou encerrada, porque ele o disse.
Ora, eu estou absolutamente convencido que, ao contrário do que V. Ex.ª afirma, isto também funciona com o ar condicionado.
Experimentou V. Ex.ª virar-se para o aparelho e dizer, p. ex.: "está a temperatura absolutamente ideal!"?
Tenho a certeza que não experimentou. E depois vem para aqui dizer mal do aparelho.
Mas se, porventura, experimentou e não resultou, também não pode acusar a máquina, mas a sua falta de fé. Se tivesse dito com suficiente convicção teria resultado e sentir-se-ia logo quentinho. Neste último caso, só posso recomendar-lhe a visita a uma catedral da fé (a do vale Formoso, p, ex.), para fazer a corrente do ar condicionado.
Eu experimentava um qualquer e depois logo se via ou sentia...
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