quinta-feira, dezembro 14, 2006

As "filhas da... mãe" ou "Tudo que há a dizer sobre Carolina"


Abrem telejornais, invadem as televisões, vendem papel. Este post serve apenas para classificar as verdades de caixa alta que nos vêm inundando.
Tolerem-se então algumas assombrações, acomodadas neste arrazoado de palavras desabafantes, consequência de uma excessiva leitura de jornais e da loucura de uma música de Chico Buarque. Registo, com muita estranheza, que ela hoje não me saiu da cabeça. Seguirá, pois, acompanhando o post, a rebate esquizofrénico, entre parêntesis rectos. ["Carolina/ Nos seus olhos fundos/Guarda tanta dor/A dor de todo esse mundo"]
Sabemos hoje do poder da palavra, da palavra pública. Por isso, cada vez mais se reabilita a tradição religiosa da obra testemunhal: eu vi, eu e só eu experienciei e, por isso mesmo, eu digo-vos a verdade dos factos. A obra testemunhal é, então, sucesso editorial garantido. Mas quem é a testemunha? ["Eu já lhe expliquei que não vai dar/ Seu pranto não vai nada mudar/ Eu já convidei para dançar/ É hora, já sei, de aproveitar"]
O filósofo Jacques Rancière lembra-nos que, muito antes do sistema judiciário, já a testemunha se definia numa dupla vertente: a testemunha teve uma experiência singular sobre o ocorrido; nela se investe o acto de dizer a verdade narrando a situação, dada a sua credibilidade e honorabilidade… A testemunha é como a mãe zelosa, pela qual a verdade vem à luz. ["Lá fora, amor/ Uma rosa nasceu/ Todo mundo sambou/ Uma estrela caiu"]
Porém, há práticas e horizontes dominantes que determinam o rumo das verdades. Se o sensacionalismo, o escândalo, a podridão são teses válidas e lucrativas, a verdade deve desenhar-se nestas mesmas coordenadas, com testemunhas ávidas em fazer obras dizendo que sim, que viram e ouviram, que houve arrastão em Carcavelos e Tsunamis na Praia da Rocha… A realidade mediática pede verdades que a confirmem; roga por mães que as possam parir. [..."Nos seus olhos tristes/ Guarda tanto amor/ O amor que já não existe"]
Glória, pois, à testemunha! Ela é a mãe da verdade e a parturiente da justiça. Salve a essa maternidade palavrosa, parideira prolífica da lei e defensora da grei. Espalhe ela a palavra, em forma de livro, de vídeo ou de CD, que são multiformes, hoje, os meios para difundir pelo mundo os seus filhos dilectos… ["Eu bem que avisei, vai acabar/ De tudo lhe dei para aceitar/ Mil versos cantei pra lhe agradar/ Agora não sei como explicar"]
Pois é. Vão vingando as obras, filhas das testemunhas que as possibilitaram. Estas filhas irrequietas abundam no espaço deste tempo e mesmo no tempo deste espaço. Que cresçam e se multipliquem como filhas legítimas dessa testemunha impoluta, que eu, enquanto lhe dedico um post, lá vou assobiando a melodia: ["Eu bem que mostrei a ela/ O tempo passou na janela/ Só Carolina não viu"]
“Só Carolina não viu”, que o doce nascimento da verdade nos discursos é incompatível com a propriedade do salgado, que teima em condimentar-lhe o sobrenome.

3 Comments:

Blogger rtp said...

Muito interessantes e profundas estas suas palavras sobre as verdade(s) testemunhada(s). Fazem reflectir ...

12:18 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Lembras-te da cena do Jorge Buescu de que te falei? Vou-to passar, ao menos para leres a introdução e o último capítulo. Vem a propósito e sei que vais gostar.

9:18 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Calúnias...é uma senhora!

9:24 da manhã  

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