segunda-feira, outubro 08, 2007

O triste abandono dos clichés

Uma espécie de vertigem de desolação, um género de noite do mundo.

Regresso a casa. Livro-me de pastas e de pesos mal-vindos. Tento encontrar essa espécie de paz de espírito necessária à produção de qualquer coisa e, num cigarro regenerador, sinto-me no conforto classificatório de ser um conjunto imenso de clichés. É bom encontrar um ramo seguro na velha e veneranda árvore de Porfírio, e ser-se um cliché tem essa inegável vantagem: deixa-se a desarrumação de se ser seja o que for para se atingir a ordem de alguma ordem que nos precede. E assim se chega a um escritório. E assim se encontra uma pilha desordenada (cliché intemporal) de livros manuseados, lidos e treslidos. Recostamo-nos sobre a cadeira giratória (fase mais ergonómica do cliché) e testamos-lhe ousadamente a segurança – pode cair o prédio, podem chover picaretas ou podem baixar os impostos que esta cadeira se manterá sólida e segura. Só então, no início do trabalho, reparamos no desconforto de não haver trabalho nenhum...

E tombam os clichés, desordena-se o universo, que nos assalta de precariedade e contingência – Acabou! A tese acabou! Não há mais tese! Temos uma resma de folhas, de aspecto desoladamente definitivo, e entre elas está o nosso bulício vital ordenado em capítulos e em notas de roda-pé. Para lá há o nada, o caos, o não se chegar a saber o que se é, o não haver mais desculpas para o desmazelo, a desarrumação ou essa espécie de destrambelhamento prático que é o charme natural do filósofo.

Contava (ou poetava, não sei bem!) Manuel da Fonseca, que certo homem passava o dia inteirinho de Domingo à beira-rio “segurando uma cana donde caía um fio para a água…” Ora esse homem, prosseguia o poeta, “um dia pescou um peixe,/e nunca mais lá voltou…”

Não há melhor formulação para a tristeza volumétrica de uma tese já feita, oportunidade para a dissolução de clichés, de seguranças classificatórias – como se tivéssemos iniciado um trabalho sob a condição de o não acabar mais.

Se a estratégia não fosse um cliché, juro que à noitinha, sem que ninguém se apercebesse, desmanchava a tese para a refazer de dia, num cliché de desespero e académica angústia... Adeus cliché!

10 Comments:

Blogger Alguém said...

stor n eskecer sopranos!!!!a bombar hj na rtp2 :)

10:34 da tarde  
Blogger redonda said...

Como nunca fiz uma tese não tinha ideia de que seria assim...Imaginava que nos sentiríamos realizados e felizes, prontos a assinar os inúmeros exemplares do livro que várias editoras tinham lutado por publicar...
Fez-me lembrar a altura em que após ter terminado o curso me pareceu que à minha frente se abria o vazio... :)

12:28 da manhã  
Blogger Fabiana said...

Ainda faltam tantos doutoramentos e teses e estudos que não percebo essa angústia. Parabéns!

7:46 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

:o)

take it easy, my friend...

relax...

9:39 da tarde  
Blogger Taxi Driver said...

A copada de festejo é para quando? Parabéns pá! :D

9:42 da tarde  
Blogger DomingonoMundo said...

Está feita. Mas ainda falta ser defendida. Os copos ficam para essa altura. It ain`t over `til the fat lady sings!

10:40 da tarde  
Blogger Woman Once a Bird said...

Parabéns pela conclusão.

12:56 da tarde  
Blogger Alguém said...

...
:)

1:35 da tarde  
Blogger DomingonoMundo said...

Agradecerei a todas e a todos quando ela acabar realmente, ou seja, quando tiver que a defender. Isso quer dizer que ainda tenho alguns meses para desmame dos clichés. E algum stress!...

3:12 da tarde  
Blogger bartleby said...

Congratulations man!

7:13 da tarde  

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