Shrek 3: um filme a ver e rever!
O desenho, nas suas cores vivazes, enreda-nos na cidade em que, no interior de um quarto, o Burro se dedica a práticas de auto-satisfação, filmando-se a si mesmo com uma handycam. Enquanto isso, Fiona entrega-se desenfreadamente aos prazeres do leito, com Shrek, seu único e exclusivo parceiro. E logo o enredo se nos impõe, sem grandes preâmbulos: Fiona exprime exuberantemente uma fogosidade de embuste já que, pré-orgásmica, nunca teve direito a esse cume glorioso de prazer, numa insatisfação ocultada ao seu parceiro e único amor; o Burro, por seu turno, vai disfarçando o seu desencontro afectivo com o Gato das Botas, no que seria uma relação homossexual monogâmica aparentemente perfeita. Uns e outros, afectiva e/ou sexualmente incompletos, buscam o secretismo glamouroso desse bar, fremente de orgia e de desenfreado erotismo, sito em providencial recato lá no reino de bué-bué longe.
Um olhar apressado poderia ensaiar uma identificação entre o bar e o secreto reinado de perversidade do Marquês de Sade. A terra de Shrek expressaria, se nos fosse permitida tal leitura, a sociedade perfeita na moral viciosa do Marquês, sem leis que subjuguem a primazia natural da satisfação egoísta de entrega de todos perante todos. Porém, só muito lateralmente poderemos ver a procura do orgasmo, por parte de Fiona, ou a abertura do casal Burro-Gato das Botas a outros parceiros sexuais como um prolongamento da problemática sadiana. Mantém-se, todavia, um exercício acessório que leva a perguntar: Que relação entre os afectos e a satisfação sexual que o judeo-cristianismo separou, ajudado pelas forças da norma e do direito, e que um certo domínio transgressivo perpetua numa inversão deliberada? Como entender, contemporaneamente, essa cisão?
Mas desengane-se quem espera ver neste filme uma abordagem pedagógica ou propagandística de um ou de outro dos lados da trincheira que divide, numa mesma lógica moralizadora, os discursos de repressão ou de libertação sexual. É que Shrek 3 é hábil em fechar-nos, com recursos de inegável beleza estética, numa intriga sexualmente explícita, em que as contradições da cultura contemporânea se nos infiltram pelos olhos dentro, vestindo-nos numa condição de puros e simples espectadores não participantes. Os fantasmas culturais libertados pela intensa sexualidade deste filme são placidamente dançarinos, encantatórios e burlescos. Vemos sem identificação e, principalmente, sem voyeurismo. Mas não com impunidade.
Porque Shrek 3, principalmente pela sua abordagem estetizada, recai directamente sobre os discursos dominantes, que mascaram no discorrer da sexualidade a céu aberto a moral vexatória do que continua a desenrolar-se em circuito fechado: na castrada pornografia cibernauta; na objectivada utilização do corpo do outro, alheia à tal estética da existência que o discurso libertador de Foucault promulgou como uma das exigências do tempo. E é de infelicidade – explicitamente expressa (passe, mas pese a redundância) numa sexualidade sem prontuários morais - de que fala a abordagem indolor de Shreck, ainda no sentido de uma separação herdada da tradição.
Para as crianças mais pequenas há sessões dobradas para língua portuguesa.
Um olhar apressado poderia ensaiar uma identificação entre o bar e o secreto reinado de perversidade do Marquês de Sade. A terra de Shrek expressaria, se nos fosse permitida tal leitura, a sociedade perfeita na moral viciosa do Marquês, sem leis que subjuguem a primazia natural da satisfação egoísta de entrega de todos perante todos. Porém, só muito lateralmente poderemos ver a procura do orgasmo, por parte de Fiona, ou a abertura do casal Burro-Gato das Botas a outros parceiros sexuais como um prolongamento da problemática sadiana. Mantém-se, todavia, um exercício acessório que leva a perguntar: Que relação entre os afectos e a satisfação sexual que o judeo-cristianismo separou, ajudado pelas forças da norma e do direito, e que um certo domínio transgressivo perpetua numa inversão deliberada? Como entender, contemporaneamente, essa cisão?
Mas desengane-se quem espera ver neste filme uma abordagem pedagógica ou propagandística de um ou de outro dos lados da trincheira que divide, numa mesma lógica moralizadora, os discursos de repressão ou de libertação sexual. É que Shrek 3 é hábil em fechar-nos, com recursos de inegável beleza estética, numa intriga sexualmente explícita, em que as contradições da cultura contemporânea se nos infiltram pelos olhos dentro, vestindo-nos numa condição de puros e simples espectadores não participantes. Os fantasmas culturais libertados pela intensa sexualidade deste filme são placidamente dançarinos, encantatórios e burlescos. Vemos sem identificação e, principalmente, sem voyeurismo. Mas não com impunidade.
Porque Shrek 3, principalmente pela sua abordagem estetizada, recai directamente sobre os discursos dominantes, que mascaram no discorrer da sexualidade a céu aberto a moral vexatória do que continua a desenrolar-se em circuito fechado: na castrada pornografia cibernauta; na objectivada utilização do corpo do outro, alheia à tal estética da existência que o discurso libertador de Foucault promulgou como uma das exigências do tempo. E é de infelicidade – explicitamente expressa (passe, mas pese a redundância) numa sexualidade sem prontuários morais - de que fala a abordagem indolor de Shreck, ainda no sentido de uma separação herdada da tradição.
Para as crianças mais pequenas há sessões dobradas para língua portuguesa.
6 Comments:
E eu a pensar que era apenas a continuação do filme Shrek 2!
Afinal o 3 não é apenas para encher chouriços!
(Curious choice of words, wouldn't you say?)
:D
Eu cá acho que o shrek 3 merecia mesmo um post - se é que vê esses filmes...
Eu nunca vi nada da saga, mas agora fiquei curioso...
Porra, e eu que pensava que os filmes do Andrew Blake eram de uma complexidade brutal...
quero muito ir ver e ainda não fui.
mas sou fã desse gorducho verde e irresistivelmente feio.
sonho transformar-me um dia, na princesa fiona :)
Eu só vi o 1 e o 2...mas será possível que no terceiro aconteça tudo isto? :)
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