A funerária Cebola

Mas não era só o nome que dava particularidade e carisma à velha agência coimbrã. A Funerária Cebola, de relógio em riste para a contagem decrescente sabia, como Malraux (o Manuel Maria Carrilho francês) que só a morte transforma a vida em destino. Por isso, adequaram os seus serviços a uma cidade secularmente devotada aos estudantes, legitimando post-mortem a sua vocação estudantil. Empenhada em oferecer uma maior gama de serviços aos seus normalmente pouco combativos clientes, a Funerária Cebola, ostentava na porta o seguinte aviso:
- Funerária Cebola. Tiramos fotocópias.
Foram incontáveis as vezes que a funerária cebola me salvou a vida. Quando o engarrafamento nas fotocopiadoras oficiais era imenso, aquela calma de morte, discreta e bolorenta, deu guarida a muitas das minhas urgências de estudo. Copiou Hegel, Marx, Kant; copiou Heidegger. Plural era o expediente da Funerária Cebola. E interdisciplinar.
Cópias A4 de cristalinos versos, elevados ensaios, inteligentes tratados – de obstetrícia; de estudos literários; de Análise Matemática… - de paixões da Alma. Algum toner para melhor se compreender gráficos comparativos, análises empíricas e estudos comparados. Depois de fazer cópias destes lavores da alma – copiando a alma em si mesma, ao arrepio de Platão – a funerária cebola encaderna os corpos pálidos em lombadas de pinho. Para que não se diga, como o antigo estudante José Régio, que, ao poeta, “as asas não lhe cabem no caixão”.
Aqui fica o post, grato à vocação total deste digno exemplo de uma loja, de um conceito, de uma imagem de marca na arte de bem servir: Funerária Cebola – contra um saber putrefacto.
4 Comments:
A funerária cebola é sem dúvida um exemplo de flexibilidade e polivalência!
O nome terá sido inspirado nos decerto imensos estudantes que ao desfolhar os apontamentos (lá fotocopiados!) choravam devido à tarefa de encaixar matérias à última da hora?
O certo é que o nome é bem conseguido: "choramos" na aflição do estudo, e choramos na morte...
essa funerária ressuscita mortos (Hegel, Marx, José Régio...).
gostei.
gostei bastante deste teu post sobre a funerária com nome tão...
como direi?
risível.
talvez.
Oh Aristóteles! Posta mais vezes, foda-se!
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