terça-feira, março 03, 2009

A Questão MP3

Vejam o seu ar CR7, saído do suburbano T1 pago com ajuda do Porta 65. Apreciem-no a sair do Lote 8, do arruamento 4, a ajustar os tampões do mp3 aos já muito adornados ouvidos. No outro lado, está o janota trintão, vagamente yuppie que, após uma noite de zapping e de sonhos de holding, ajusta ao fato completo da Zara o fio do sofisticado ipod. Encontram-se no metro, abominam-se muito ligeiramente, até que a música lhes dissolve o convívio e lhes projecta as diferenças para o interior musical deles mesmos. Chamemos à lei que a situação ilustra a «questão mp3».

Convém não subestimar a «questão mp3». A verdade dos pedestres reconsidera-se quando o quotidiano se sonoriza, multiplicado por espaços de bandas sonoras infinitas. A questão mp3 converte a experiência colectiva da cidade numa espécie de dança privada; um delírio intermitente, pessoal e de ritmos diversos. Pela rua, pelo metro, no próprio local de trabalho, a música marca o tom, sem que saibamos verdadeiramente até que ponto alenta trabalhos para níveis de produtividade inatingíveis ao som de qualquer invasora telefonia. A questão mp3 e seus reflexos laborais, pessoais e sociais; a distância imensa entre o mp3 e o Walkman, que o Dimanche já explorou... tudo nos afirma a necessidade de não se subestimar a questão mp3.


Sim, claro que comprei um mp3. E é claro que, agora, quando já não subestimo a questão mp3, acho menos estranho esse colar estridentemente repercutivo que abraça os meus concidadãos por ruas, praças e descaminhos. E suspeito que, para lá de estatísticas, inquéritos e sondagens, a selecção do mp3 seja a mais eloquente das amostras no que toca a disposições, influências, intervalos geracionais. Que música ouço quando chego aqui, quando me preparo para ir para ali, quando me desloco ou decido permanecer? Que locais são mais e menos musicados? E que privação social nutre realmente um leitor de mp3?...

Em qualquer ponto da cidade, talvez uma canção escutada seja comum, e esteja ao mesmo tempo, e se cruze no mesmo espaço – e aproxime seres numa coincidência inusitada e secreta. Talvez a música estabeleça fios de comunicação que se tocam algures, sem que ninguém o saiba verdadeiramente. E aí estamos menos sós, mesmo que a música embale um percurso melancolicamente isolado, que cruza avenidas impessoais com a canção aconchegada ao ouvido. A solidão musical de quem, na compenetração do seu mp3, transporta timbres coincidentes para o lado nenhum onde a cidade anoitece.

7 Comments:

Blogger Taxi Driver said...

É um pequeno-grande aparelho, sem dúvida! Descobri grandes álbuns nas muitas viagens na UTC para a Invicta!

1:47 da tarde  
Blogger Amil Neila said...

Mas cuidado com os ouvidos, fora de tanga.
Tenho (temos) pensado nesta "questão" ultimamente, vê-se muita (toda a) gente por aí com os apêndices, mas atenção à praga. A praga do ruído por todo lado, tão bem alertada por António Barreto num público de um Domingo do mundo. E à praga dos telemóveis com som que começa a grassar e a incomodar. Ao menos os TEUS headphones só dão cabo dos TEUS ouvidos.

6:42 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

este post é bem musical, caro Phil!
:o)

TZL, é verdade, ao contrário da Praga do tabaco que também dá cabo dos pulmões de quem não tem culpa nenhuma.

9:31 da tarde  
Blogger rps said...

Não uso. Não entendo porque não os proibem. Acho que no Metro as pessoas deviam ir a conversar umas com as outras.

1:06 da manhã  
Blogger Marta said...

soube-me a pouco!

isso é que é um observador participante!

muito bom!

[e agora vou em bora que vi ali um taxi, o primeiro da fila... e pode ser o outro, não o que gosta de Mozart...]

bom fim semana

4:54 da tarde  
Blogger Marta said...

e, o último da fila...então, só o vi agora! é da escola do Frof. Funes...um horror... fundamentalistas é o que é! :)

4:57 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

hoje em dia não se ouve música. é consumido de forma ordeira e sistemática um conjunto de lixo sónico sem valor...assim mp3 = 0

6:26 da manhã  

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