segunda-feira, janeiro 22, 2007

A Lei da Bola


Prova o registo de passagem dos tempos que a esfera sempre foi padrão de perfeição. Por isso mesmo, desde a invenção da roda à massificação do Donut, da pizza 4 estações ao espaço curvilíneo de Einstein, tem sido circular o nosso percurso de seres perfectíveis. Mas a Lei proclama também que a perenidade dos modelos se alie decisivamente ao ditado das modas – e, actualmente, à margem da circularidade do mundo, descobriu-se na palavra “Avaliação” a panaceia última para todos os males do Universo. O processo de Avaliação seria o alfa e o ómega da felicidade dos povos, pelo que se tornou imperativo o processo de avaliação em todos os cantos e recantos do Globo (aqui está, novamente, a esfera!). Conciliando então a fúria avaliadora com a suma perfeição dos círculos, a instituição onde ensino arranjou um sistema em que, ao final do semestre, umas bolas rotundas e bem desenhadas marcariam uma escala, cuja eloquência esboça as muitas perfeições e imperfeições do périplo docente. Mas…

…Sucedem-se os órgãos dirigentes e, com eles, as Circulares (cá está outra vez a esfera) que reestruturam as práticas institucionais. Depois de alguns anos em que, ao final de cada semestre, os meus alunos marcavam nas bolas a cifra da minha competência, tais práticas ficaram suspensas, para que esféricas cabeças possam deliberar quanto à justeza desse acto. E então a avaliação?

Convicto de que não poderia ficar sem avaliação, convidei então as vítimas do meu ensino a redigirem uma pequena crítica em que reflectissem as queixas a apontar ao trabalho. Entre a diversidade suspeitosa, houve uma que foi constante… Elejo, para a realçar, uma das mensagens de contorno (ai o círculo!) mais expressivo:

…«o professor vem muito inspirado logo de manhã, e isso faz-nos pensar cedo demais. Devíamos começar a pensar só lá para as 10h!»

René Descartes, filósofo bastante rectilíneo, gostaria certamente desta inspiração a hora marcada que aqui me acusam de violar, pelo que vejo este exercício crítico como um esboço de transgressão aos modelos instituídos. É que se a crítica comum visa tirar o sono ao criticado, esta, ao contrário, visa dar sono a quem por ela é visado, instituindo à revelia uma preguiça meditativa e horizontal – plana, portanto.

Não fosse o relógio um mecanismo predominantemente esférico e esta seria, com toda a certeza, uma agressão evidente à circularidade modelar. Porém, verificando-se que o progresso dos minutos se dá numa contagem circular, o argumento cai, redondo, sobre o paradigma anterior. Por isso decidi arrumá-lo-lo neste post rotundo; e contornar a crítica, até ao regresso da lei da bola!

6 Comments:

Blogger salomé said...

Que redOndante: sempre a tentar sacar elogios!
Ps: Aquilo ali é mesmo Dali?!

12:54 da tarde  
Blogger rps said...

É de ler e cair redondo. Aristóteles em grande forma.

6:38 da tarde  
Blogger António Conceição said...

Belíssimo post. Digno de Aristóteles.
Vítima da mesma globalização avaliatística, lembro-me de um ano em que os inquéritos pediam aos alunos que as tais bolinhas fossem preenchidas, "sem ultrapassar os cantos".
Uma coisa fascinante no processo de avaliação do ensino superior em Portugal é que este tende para a auto-referência. Com efeito, a avaliação pressupõe sempre um avaliado. Ora, na escola onde eu lecciono (e julgo que nas outras também), a tendência tem sido para concentrar o seu papel - não no ensino e na aprendizagem - mas na avaliação. Uma avaliação que, por consequência, por ausência de outro objecto ou objectivo, se vê condenada a avaliar-se a si mesma.
É verdade! Num ano escolar de dez meses, a minha escola passa seguramente seis em avaliações. Tudo se concentra na avaliação. Aos alunos, estupidamente, a única coisa que interessa é a nota final. Se eu prometer (seriamente) que dou dezoito a todos, nenhum se interessará mais pela disciplina. Seja ela importante ou não, seja leccionada por um professor exemplar ou por um tipo como eu.
Aos professores, por sua vez, tudo o que importa é a eficácia do aluno na realização do exame final.
Com toda a probabilidade (pelo menos na escola onde lecciono) é muito mais provável que tire uma nota alta um aluno que fez a sua preparação a resolver exames dos dez anos anteriores, do que aquele que procurou estudar a partir das fontes de informação da matéria.
Não creio que Bolonha vá alterar absolutamente nada neste processo. Podia alterar, mas não creio que vá alterar.
É por tudo isto que o ensino deixou por completo de me motivar.

11:58 da manhã  
Blogger DomingonoMundo said...

- Pior do que "postar" um Dali foi ter postado este Dali... Duas promessas quebradas num único post!

- Concordo com as lamentações do Funes e aproveito para partilhar um outro episódio: O célebre impresso que aconselhava a não se preencher "os cantos dos círculos" foi tema recorrente e deu para destilar algum veneno, até que um colega, em pleno corredor, disse que a instrução não era assim tão estúpida à luz da matemática fractal... É o mal das escolas multidisciplinares: a qualquer altura aparece um desmancha-prazeres a estragar a piada!

9:12 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

pois, preenchemos todos esse inquérito...

quanto ao post não digo nada porque sou demasiado quadrado!

12:25 da tarde  
Blogger feniana said...

continuas fabulástico com a prosa.

10:42 da tarde  

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