A importância de se chamar Ernesto
…soube ser qualquer coisa de que só a literatura sabe realmente falar. Talvez por isso, numa quase épica valentia, conseguiu escrever essa magnífica carta de despedida aos pais, essa espécie de testamento escrito em condições extremas e com a consciência de ser a última coisa que escrevia: “ainda sinto sob os calcanhares o dorso de Rocinante”… A dimensão maior desse guerrilheiro não esteve na doutrina, mas na literatura, a sua única pátria verdadeira.
Admiro a sua falibilidade, bem como o modo contrastivo como soube errar, em grande estilo; como nessa conferência de imprensa em que abre um sorriso largo, franco e generoso ao citar o excerto de um poema para, no instante seguinte, subitamente, assumir o rosto mais terrivelmente sombrio e austero, apelando ao trabalho nos limites, para lá do humanamente possível. Admire-se essa forma de egoísmo que é a de medir o mundo pelas forças próprias, quando achou que se ele mesmo conseguia vencer as graves maleitas de saúde de que sofria, também todos os outros, certamente o conseguiriam. Há aqui uma espécie de subestima de si mesmo, equilibrada por uma excessiva fé em todos os outros.
E ele sabe ser ainda hoje a negação do mundo, na elevação de um qualquer impossível urgente. Quando vemos, hoje, que a horda de assassinos contratada para o assassinar se trai entre si para crescer um pouco, quando os vemos a desmentirem-se e a intrujarem-se entre eles mesmos, tendo presente a dimensão do mito que, apesar de tudo, contribuíram para erguer – sabemos que essa corja de abutres está do lado do mundo, deste mesmo mundo, e que uma das escapatórias possíveis vem na directa inspiração desse rosto severo e sonhador. Sophia foi talvez quem bem o leu: “Porém/ Em frente do teu rosto/ Medita o adolescente à noite no seu quarto/ Quando procura emergir de um mundo que apodrece”.
Admiro-o por essa quase sobrenatural força de identificação. Sabemos que, para lá das ideologias ou dos motivos de uma razão messiânica, entre ele e os que se lhe opuseram, entre o que escolheu representar e as farsas impunes de um mundo em que tudo se trafica, apreciando os motivos de uns e o sonho do outro, o nosso lado surge de forma esclarecedoramente clara. No tempo dos assassinos, escolhemos não o ser, para estar antes do lado de Ernesto.
Ele é ainda o nome de uma forma clara de evasão que, por norma, só os heróis das narrativas proporcionam. Leia-se então em Ernesto uma personagem de romance… Apenas isso.
Admiro a sua falibilidade, bem como o modo contrastivo como soube errar, em grande estilo; como nessa conferência de imprensa em que abre um sorriso largo, franco e generoso ao citar o excerto de um poema para, no instante seguinte, subitamente, assumir o rosto mais terrivelmente sombrio e austero, apelando ao trabalho nos limites, para lá do humanamente possível. Admire-se essa forma de egoísmo que é a de medir o mundo pelas forças próprias, quando achou que se ele mesmo conseguia vencer as graves maleitas de saúde de que sofria, também todos os outros, certamente o conseguiriam. Há aqui uma espécie de subestima de si mesmo, equilibrada por uma excessiva fé em todos os outros.
E ele sabe ser ainda hoje a negação do mundo, na elevação de um qualquer impossível urgente. Quando vemos, hoje, que a horda de assassinos contratada para o assassinar se trai entre si para crescer um pouco, quando os vemos a desmentirem-se e a intrujarem-se entre eles mesmos, tendo presente a dimensão do mito que, apesar de tudo, contribuíram para erguer – sabemos que essa corja de abutres está do lado do mundo, deste mesmo mundo, e que uma das escapatórias possíveis vem na directa inspiração desse rosto severo e sonhador. Sophia foi talvez quem bem o leu: “Porém/ Em frente do teu rosto/ Medita o adolescente à noite no seu quarto/ Quando procura emergir de um mundo que apodrece”.
Admiro-o por essa quase sobrenatural força de identificação. Sabemos que, para lá das ideologias ou dos motivos de uma razão messiânica, entre ele e os que se lhe opuseram, entre o que escolheu representar e as farsas impunes de um mundo em que tudo se trafica, apreciando os motivos de uns e o sonho do outro, o nosso lado surge de forma esclarecedoramente clara. No tempo dos assassinos, escolhemos não o ser, para estar antes do lado de Ernesto.
Ele é ainda o nome de uma forma clara de evasão que, por norma, só os heróis das narrativas proporcionam. Leia-se então em Ernesto uma personagem de romance… Apenas isso.
14 Comments:
Este comentário foi removido pelo autor.
Em absoluto desacordo,
Em tempo de assassinos, Ernesto decidiu ser um deles. O facto de o estar do lado do bando da engenharia social peregrina contra o bando da manutenção dos privilégios não atenua a sua culpa. Hitler também matou em nome de uma estética.
De resto, é esse o seu problema como personagem de romance. As mãos manchadas de sangue dos personagens de romance costumam ficar limpas quando fechamos o livro e o depositamos na estante.
Mas a figura de Che ajudou-me a perceber a diferença entre ser de esquerda e ser de direita.
Optimista, a esquerda julga os homens pelas suas intenções, desprezando os seus actos. Pessimista, a direita julga-os pelas consquências desses actos, sem consideração pelas respectivas intenções.
Evidentemente, eu sou de direita e Aristóteles é de esquerda.
Estou a gostar muito de como escreve (e não pensando em mim mesma como sendo da esquerda ou da direita gostei do que escreveu sobre o Che)
Por isso resolvi que:
- vou "linká-lo";
- vou virar sua fã;
- e vou ler o que está para trás.
Caro Funes, parece-me que a sua distinção não respeita a sua tão querida lógica. No tempo dos assassinos, e claro que ambos matam, uns fazem-no para a "manutenção dos privilégios" os outros "contra o bando". Actos iguais, intenções diferentes.
Que eu não fique com "As mãos manchadas de sangue" mas, se ficar, que tenham em consideração a minha intenção.
Para mim, continua uma inspiração!
Que grande texto proféssor!
Funes:
Esse pressuposto ontológico está longe de esgotar a consciência de esquerda que, para mim, é antes de mais nada conduzida pela ética. Por isso mesmo, acredito que o contexto de Che, enquanto militar regido por uma ideologia e na lógica ditada pelo próprio tempo, como nota a Fabiana, o conduziu a matar pessoas sem que se lhe adeque totalmente a palavra "assassino". É essa mesma lógica que faz com que não considere a palavra adequada para Bush, ou para Blair..., homens que a escalas diferentes matam pessoas à fome, no sacrossanto mundo do livre comércio. De qualquer maneira, não é por aqui que vejo Che, que não me atrai como político ou teórico (nem a ele próprio serviu essa carapuça), mas como "personagem de romance", na honra e dignidade intransigentes, que mal ou bem sempre lhe assentaram como luvas. E digo: mil vezes Che, na sua alienada quimera revolucionária, do que os seus carrascos, estes sim assassinos, sem contexto que lhes valha!
Redonda:
Pelo risco de parecer troca de galhardetes, não vou dizer para já que a simpatia é recíproca. Guardo para mais tarde essa verdade.
Fabiana:
É bom ver-te regressada. E aguerrida!
Taxi:
Não tenho dinheiro para a bandeirada. Pago com copos. No fim-de-semana próximo!
Bem caro Aristóteles,
Vou ter que responder em post próprio que não vejo como vou conseguir fazer antes do próximo fim de semana ou durante a próxima semana, porque o fim de semana promete ser trabalhoso.
O que é odioso em Che não é ele ter atirado sobre os inimigos (de resto, gente pela qual eu nunca estaria disposto a mover a minha pena). O que é odioso nele é o assassinato que ele promoveu dos amigos. É isso que faz dele um bandido que não merece qualquer tipo de admiração.
Tal como os que pelos nossos blogues têm passado não admiram Che, mas o mito de Che, Che não admirava o povo explorado, mas o mito que ele criou do povo explorado. Ele não quis servir os fracos. Ele quis que os fracos servissem os seus desígnios. Se os fracos se recusavam a transformar no homem novo que a sua cabeça engenheira projectou,ele limpava-os.
Não é por acaso que ele foi abandonado por Fidel Castro e pelo Partido Comunista Boliviano. É porque se tornou um louco irresponsável. Um fanático.
Peço muita desculpa, mas não estou disponível para prestar o meu preito a um fanático.
Eu sei que vocês também não. O que nos separa não é isso. Volto ao início. Eu estou a pensar na obra de Che, Vocês no mito de Che.
Eduardo Prado Coleho explicitou isso uma vez: a esquerda comete tantas patifarias como a direita. Mas a esquerda comete-as com boas intenções; as patifarias acontecem apesar das boas intenções do projecto. Na direita, as patifarias fazem já parte do projecto. A direita é intrinsecamente má.
Há um roçar de verdade nesta afirmação do falecido Edurado Coelho.
E esquerda é optimista e, cosequentemente, actua de forma irresponsável, sem medir as consequências dos seus actos. Como Fidel reconheceu e sem que o embargo americano tenha nada que ver com isso, depois do consulado de Che como ministro da respectiva pasta, a economia cubana estava um caos absoluto e os cubanos pobres viviam pior do que no tempo de Fulgêncio Baptista. Mas o rapaz tinha boas intenções dizem vocês. Só acabou com os estímulos à produção, porque admitir que um trabalhador produzia mais, porque premiado pelo seu zelo, era admitir que subsistia nele um traço egoístico burguês, intolerável no homem novo. O desastre aconteceu, porque as suas boas intenções não foram compreendidas por aqueles a quem se destinavam a beneficiar.
Ao contrário, direita é pessimista, desconfia da bondade natural do homem e por isso actua sempre como se este fosse naturalmente mau. Pratica a filosofia salazarista de que um safanão a tempo evita males futuros maiores. Parece intrinsecamente má, mas, no fundo, no fundo, as suas intenções também são boas.
A pequenez arrogante e desumana de Che (do Che real, não do Che-mito, do Che T-shirt)resulta evidentíssima se a compararmos com a grandeza humilde e humana de Nelson mandela, por exemplo. Que não é suspeito de direitismo nem de conformismo.
O meu último comentário, sim, cara Fabiana, é um jorro de pensamentos avulsos sem grande nexo lógico.
Mas eu depois dar-lhes-ei coerência no tal prometido post.
Aqui a discussão vai melhor pq não anda por aqui o PLB a javardar
"O que é odioso nele é o assassinato que ele promoveu dos amigos. É isso que faz dele um bandido que não merece qualquer tipo de admiração."
Parece-me que essa fama é mais do Fidel... Mas aguardemos, então, pelo post. Se for preciso, alugo o meu espaço - não vá aparecer o PBL!
Depois de ler este excelente post e tão funesmente abrilhantado no comentário, fiquei só curioso em relação a uma coisa: QUEM É O PBL?! :) :)
O PBL será um Che do nosso tempo?...
PLB é o manifestante coerente, que luta contra os poderes, em todas as manifestações da actualidade, distingue-se pelo seu fato Armani e palavras caras do dialecto Lisboeta. Anda sempre por aí
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