quinta-feira, dezembro 20, 2007

Desafio: 5 filmes - 5 bandas sonoras

No cinema, a música tem, a meu “ver”, um estatuto específico. Ela é, predominantemente, um exercício de sublinhado, uma pontuação sobre o texto fílmico, uma sinalização do acontecimento. Porém, na melhor das hipóteses, ela deixa de ser recurso para ser o fulcro de tudo o que acontece. E aqui, a música deixa de ser música para passar a ser cinema.


Por isto, escolhi emagrecer o desafio que me lança a rtp, do Tretas & Letras, para seleccionar alguns momentos que, para mim, são exemplos perfeitos de música-cinema. Eles aqui vão, nota por nota:



1. É evidente: 2001 Odisseia no Espaço. O mestre Kubrick, em imagens de beleza imensa, põe os planetas a dançar ao som de Danúbio Azul. Os recursos estão lá: Natureza e Música precedem a construção fílmica. Na astronomia combinada com a música, a cultura dança a valsa com a natureza pelo olhar de Kubrick; já o resultado é quase sobrenatural.


2. Segundo momento, com o par Leone/Morricone. O filme Once upon a time in the West é uma narrativa de silêncios. Pouco diálogo e olhares gelados, horizontes contaminados pelo amarelo do deserto e, sem explicação, a implacável frieza do homem da harmónica. É à música que recorremos para nos preencher o vazio da história, já que desde cedo pressentimos, com razão, que é esse o único recurso possível. E a harmónica só se silenciará no epílogo, como enunciado do enigma e sua solução.


3. Com Casablanca. A marcha nazi ergue-se em triunfo, ante a impassibilidade acomodada do café. A confraternização esconde os lados em que a História se disputa, entre verdugos e condenados, numa divisória esbatida pela neutralidade do lugar. Até que ecoa, em contracorrente, a Marselhesa. O canto, plural, com traços idiomáticos diversos, expressa a abnegação resistente que se exige, que era urgente. Quem tenha o mínimo vestígio de sensibilidade histórica não pode ficar indiferente a tal cenário... Não sei se Baptista Bastos se Álvaro Guerra, um deles conta que, em idêntico ambiente “neutral”, na Lisboa do Estado Novo, a cena acabava invariavelmente com carga policial sobre os cinéfilos que, incontidos, erguiam vozes em coro com a película. A vida imita a arte!


4. Lost in Translation. Pouco dado a dialécticas, sou igualmente pouco afoito a sínteses. Não me parece, pois, que essa cidade que entra pelos olhos dentro, ao som de Just Like Honey, dos Jesus & Mary Chain, tenha alguma função de súmula. Ela é, isso sim, a pluralização quase babélica de Lost in Translation. Ela é, na sua cadência entusiasmante, a proliferação da música pela cidade, na sua infinita possibilidade de encontros, desencontros - singulares de cada vez.


5. Finalmente, temos Tarantino. É a escolha mais evidente e a menos trabalhosa. Em qualquer dos seus filmes, a música aparece com uma espécie de gozo que não se distingue de um visível e imenso prazer em fazer cinema. Uma diversão quase juvenil, de tal modo que ver Tarantino é quase correlativo a ouvir a Banda Sonora de Tarantino, a reviver a cena de Tarantino, a transpor Tarantino para o nosso próprio e particular contexto. Não sabemos, pois, se é música ou cinema o modo como os toques dos telemóveis polifónicos insistem em apropriar momentos “tarantinianos”.

Não sei se cumpri inteiramente o desafio, nem se tive unhas para tocar esta guitarra. Porém, agradecendo à rtp, aproveito para delegar esta missão. E dado que resisto, ferreamente, à tentação dos mails em cadeia, dos posts em cadeia ou de qualquer coisa que me coloque na cadeia, declaro simplesmente a minha curiosidade para saber como é que...

...o Lois, a Elentári, a Redonda e o Taxista descalçariam esta bota.

Aceitem ou não, fica o convite!

6 Comments:

Blogger rtp said...

Obrigada por ter aceite o desafio!
A mim também me custa reenviar desafios em cadeia. Mas considerei este desafio interessante! E apeteceu-me lançar-lho também a si!
Para ouvir de sua justiça sobre o assunto e por suscitar mais um post seu ... que sempre gosto tanto de ler, pelo conteúdo e pelo tom das suas opiniões.
E mais uma vez isso aconteceu! :-)

2:48 da tarde  
Blogger redonda said...

Vim aqui inocentemente para desejar um Feliz Natal e sou surpreendida com este desafio a uma redonda que poderia perfeitamente não ser eu, mas temo que seja :)
Já que fui desafiada, vou reler o texto para compreender melhor o que é esperado...Entretanto, e apesar do desafio :) desejo na mesma Um Feliz Natal :)
Gabriela

2:07 da manhã  
Blogger filipelamas said...

Feliz Natal com tudo de bom!

2:57 da tarde  
Blogger Elentári said...

Antes de mais um Feliz Natal para ti, meu caro amigo!
Aceito de bom grado o desafio, porém postarei daqui a um ou dois dias, após a passagem do furacão de excessos natalícios!

4:11 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

já está!

:o)

7:59 da tarde  
Blogger Elentári said...

também já postei nos caracóis!

4:32 da manhã  

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