quinta-feira, novembro 23, 2006

Casa da Música

A arte é vagabunda por natureza e sem-abrigo por fatalidade. Por isso, excluindo o sarcasmo dos destinos públicos e a crueldade das instâncias políticas, justificamos a designação “casa da música” por fetichismo institucional e por vício metafórico – a única casa da música é o silêncio que a faz nascer, que a pontua, que a torna irredutível a todo o dizer, incluindo este, que a diz agora.

Escusamos então de dizer que este post é suicidário, auto-anula-se, cala o que diz… Silêncio!

A música, na sua expressão mais alta, é esse “choro sem lágrimas” que Blanchot descobriu na literatura, e que a torna afirmação do indizível; expressão única do que se não deixa exprimir senão no silêncio que a habita desde o interior.

E Beethoven incarna duplamente esse silêncio originário. Num destino digno de condenação mitológica, a surdez fez da sua obra o silêncio em si, o que jamais lhe estaria acessível; e aquele que acabou impedido de ouvir foi justamente o que, no dizer de Nietzsche, fez com que a sua obra “eclipsasse toda a visibilidade e em geral toda a realidade empírica”. É por isso a figura viva do dom absoluto, a fundo perdido, que habita o acontecer artístico e que é a sua única casa.

Não é difícil de imaginar, pois, que a alegria seja um dos silêncios de Beethoven; e uma das suas obras-primas!

A Ode à Alegria inclusa na 9ª Sinfonia (a quem Schiller empresta uma letra que aconselha, ironia desconcertante, a evitar os tons silentes do ódio ou da tristeza!) é o limiar mais contrastante e mais perturbador da arte de Beethoven, quando nela reluz uma alegria que não teve através de uma música que já não ouvia. Nenhuma arte que não seja tagarelice, ruído incongruente ou fogacho de diletantismo (como o filme, “Corrigindo Beethoven”, que não passa de uma irritante perda de tempo!) abdica de habitar nos limites da possibilidade de si mesma.

Quando, na 9ª Sinfonia, o coro rejubila, fazendo desmoronar uma alegria incontida que não é de ordem humana, pensamos numa casa da música que só do silêncio se erige e da eternidade que ouve o que Beethoven não pôde ouvir, fruindo de uma alegria que não teve origem em lado nenhum. Mais uma vez com Nietzsche: “A sua música banha-se no claro-obscuro de um eterno luto e de uma eterna esperança”.

Em vez de um post, renunciando a ser discurso, estas letras são apenas uma silenciosa contagem decrescente… Amanhã, ouviremos os vários silêncios que modulam a 9ª Sinfonia, numa casa da música que, talvez mais do que nunca, seja lugar de hospitalidade do seu próprio nome.

3 Comments:

Anonymous Anónimo said...

O velho Ludwig Van... Embora saibas que prefiro a quinta (mesmo adorando as sextas) vou estudar a coisa e sou gajo p'ra lá ir.

7:51 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Já estudei a coisa. Afinal não vou. Espero que gostes. Depois conta-me! Abraço

7:53 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Beethooven?! Adoro o Beethooven. Sempre achei muita piada ao pipo que trás na coleira.

6:36 da tarde  

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