Voo 93
A diferença…
...A da proximidade. Até aquela data, havia qualquer coisa que nos conduzia à inanidade e à demissão, como se a História, altamente mediada pela televisão e seus satélites, se desse a ler a uma inalcançável distância. O redemoinho dos factos fazia com que nos perdêssemos num turbilhão infinito, obrigando-nos ao exercício muito pós-moderno da relativização e do parêntesis, fazendo-nos bolinar na História como um barco bêbado. Até que ali, naquele fatídico 11 de Setembro, a História sucedia, próxima e centrada em si mesma, falando-nos directamente e levando-nos ao ingrato exercício de assumir posições. O 11 de Setembro foi, neste sentido, talvez o primeiro evento contemporâneo de efectiva inscrição global no leme incontornável da História…
O filme…
… Por isso, o modo como participamos nessa trama despida do filme Voo 93 é o da identificação de lugares, posições, estados em que o 11 de Setembro nos surpreendeu, próximo e chocante, seja em casa, ou na esplanada, ou nos ritmos titubeantes de final de Verão. O filme confirma o que já não precisa de confirmação: o reconhecimento do modo como cada um, diferentemente, confere importância ao facto histórico do 11 de Setembro; reaviva o imenso acabrunhamento das límpidas consciências que não o sabiam explicar, que não sabiam ainda como reconhecer-se na histórica tragédia com que convivemos tão proximamente. E surge-nos a tentação de acompanhar os eventos com o nosso lugar na altura em que decorreram: Aqui, estava no café… Nesta altura, estava na rua x…
Os factos…
… quase sem os recursos que, ultrapassando a ingenuidade dos que vêem o género documental como uma pouco recursiva enunciação de factos, vão transformando documentários em sucessos de bilheteira. Aqui, o que vemos é a narração em directo e pelo interior de algo que já conhecemos, que ainda não dominamos, ainda um tanto incrédulos e descrentes – Como foi isto possível?... Voo 93 é a enunciação de factos já conhecidos, de acordo com a tese “oficial”, que sugere a resistência dos passageiros que, mau grado seu, foram protagonistas sem nome de uma História ainda por escrever.
Dos “Heróis”
Voo 93 enuncia o que uma certa consciência metódica necessita: representa heróis que são necessários à redenção de uma cultura, de uma civilização ou modus vivendi, e cujos actos, em rigor, não têm pinga de heroísmo. Representa então a própria crença em sustentáculos que, ao contrário de todos os que lhes sobreviveram, já não são livres para recusarem tal condição. É que os heróis, ao contrário do comum dos mortais, não têm o benefício do sem-sentido que permite organizar, com mais ou menos dificuldade, a tessitura do real. Em vez de transformarem obstáculos em meios, na frágil tradição de Ulisses, os heróis manifestam apenas a cristalização compulsiva com que ficam gravados, como lápides, a fundamentar uma realidade que não é a deles.
...A da proximidade. Até aquela data, havia qualquer coisa que nos conduzia à inanidade e à demissão, como se a História, altamente mediada pela televisão e seus satélites, se desse a ler a uma inalcançável distância. O redemoinho dos factos fazia com que nos perdêssemos num turbilhão infinito, obrigando-nos ao exercício muito pós-moderno da relativização e do parêntesis, fazendo-nos bolinar na História como um barco bêbado. Até que ali, naquele fatídico 11 de Setembro, a História sucedia, próxima e centrada em si mesma, falando-nos directamente e levando-nos ao ingrato exercício de assumir posições. O 11 de Setembro foi, neste sentido, talvez o primeiro evento contemporâneo de efectiva inscrição global no leme incontornável da História…
O filme…
… Por isso, o modo como participamos nessa trama despida do filme Voo 93 é o da identificação de lugares, posições, estados em que o 11 de Setembro nos surpreendeu, próximo e chocante, seja em casa, ou na esplanada, ou nos ritmos titubeantes de final de Verão. O filme confirma o que já não precisa de confirmação: o reconhecimento do modo como cada um, diferentemente, confere importância ao facto histórico do 11 de Setembro; reaviva o imenso acabrunhamento das límpidas consciências que não o sabiam explicar, que não sabiam ainda como reconhecer-se na histórica tragédia com que convivemos tão proximamente. E surge-nos a tentação de acompanhar os eventos com o nosso lugar na altura em que decorreram: Aqui, estava no café… Nesta altura, estava na rua x…
Os factos…
… quase sem os recursos que, ultrapassando a ingenuidade dos que vêem o género documental como uma pouco recursiva enunciação de factos, vão transformando documentários em sucessos de bilheteira. Aqui, o que vemos é a narração em directo e pelo interior de algo que já conhecemos, que ainda não dominamos, ainda um tanto incrédulos e descrentes – Como foi isto possível?... Voo 93 é a enunciação de factos já conhecidos, de acordo com a tese “oficial”, que sugere a resistência dos passageiros que, mau grado seu, foram protagonistas sem nome de uma História ainda por escrever.
Dos “Heróis”
Voo 93 enuncia o que uma certa consciência metódica necessita: representa heróis que são necessários à redenção de uma cultura, de uma civilização ou modus vivendi, e cujos actos, em rigor, não têm pinga de heroísmo. Representa então a própria crença em sustentáculos que, ao contrário de todos os que lhes sobreviveram, já não são livres para recusarem tal condição. É que os heróis, ao contrário do comum dos mortais, não têm o benefício do sem-sentido que permite organizar, com mais ou menos dificuldade, a tessitura do real. Em vez de transformarem obstáculos em meios, na frágil tradição de Ulisses, os heróis manifestam apenas a cristalização compulsiva com que ficam gravados, como lápides, a fundamentar uma realidade que não é a deles.
É esta a justificação, tão alinhada com a “tese oficial”, que nos concede um filme como Voo 93.
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