Na tela de cinema, nota bem Derrida, vive sempre uma experiência fantasmática. E não apenas na episódica experiência do filme, mas em todo o ritual do cinema, quando entrávamos em cerimoniais silenciosos, recostávamo-nos no aveludado das cadeiras e preparávamos um método catártico muito próximo da psicanálise. Preparava-se então a vinda do que não chega a vir ou a aparecer – o fantasma ou o filme – e, desde o início, tratávamos a sala de cinema mimando o espaço vazio, acompanhando com os olhos o horizonte da tela que, como a folha de Mallarmé, era a pele de um “jogo insensato” prestes a ter lugar.
E não, não falo apenas no “bom” cinema ou nos filmes do culto – falo no rito que, de vez em vez, se repetia, desde as mais juvenis, precoces e por vezes clandestinas incursões naquele território mítico que era a sala de cinema. Talvez se lembrem de, na cortina descida do Batalha, jogar com os restantes convivas ao “onde está o anúncio?”, que consistia em passar os olhos a grande velocidade todo o espaço da tela para descobrir, o mais rápido possível, o lugar exacto em que estava a publicidade ao Brandy Messias, à Porto Calem (porque será que só me ocorrem nomes de bebidas?), consoante o desafio lançado pelo colega do lado. E o fascínio está justamente no facto de todos reclamarem a autoria do passatempo, apesar de ter sido um jogo repetido de geração em geração; como se tudo o que envolvesse o cinema se reinventasse ex nihilo, quando cada repetição é na verdade uma reinvenção sem coincidência, num jogo poiético.
Escusado será dizer que tudo isto morreu ou está moribundo. Porém, honrando a experiência fantasmática do cinema, pediríamos apenas, cá no Porto, cidade que inventou a cinefilia em Portugal, que trouxessem os mesmos filmes que o restante País (Lisboa) tem direito a ver. Oferecem-nos realmente três ou quatro Ratatuis, quatro ou cinco Estás cada vez mais frito, meu... (título que transporta uma espécie de diagnóstico desesperado), mas de Gus Van Sant, de Tsai Ming-Liang – para apenas mencionar os exemplos que me afectam mais pessoalmente – vemos apenas a crítica e, numa herança ainda cinéfila, o fantasma.
Claro que há sempre o La Féria para nos entreter, mas...