terça-feira, março 20, 2007

Reflexão de Tasco: Nicho de mercado




Por que motivo nunca se inventou gelatina de banana?

sexta-feira, março 16, 2007

Sorte

Chegado ao café, sento-me na única mesa livre e abro, ao acaso, o volumoso Público de sexta-feira. As páginas lustrosas, de encadernação recente, resistem ao primeiro ímpeto das mãos desajeitadas, de tal maneira que acabam por abrir aleatoriamente, numa página intermédia do teimoso jornal. Nesse exacto instante, ouvimos a voz do empregado de café: - Se faz favor?...

A voz interrogativa do funcionário não tem o tom decisivo de outros dias. – Por ser sexta-feira... vou pensando, enquanto expresso o pedido perante o olhar, estranhamente embaraçado, do empregado de café. A cena vai adquirindo, nos seus escassos segundos, uma intensidade dramática verdadeiramente imprevista e acaba por suscitar um segundo de irritação procedido pela necessária indagação de razões. Olho em volta. Encontro tudo como dantes, sem que nada justifique o desconcerto do empregado. Perco-me em hipóteses, junto elucubrações e, perante a inutilidade do exercício, preparo-me então para mergulhar na leitura.

Só então reparo que, do Público recém-escancarado que se exibe à minha frente, emerge uma fotografia de um nu masculino. Um NU MASCULINO!!! Ali se desnudam os motivos do espanto embaraçado do empregado de café; assim se deslinda o azar que, em doses excessivas pelas cenas mais quotidianas, me vai batendo à porta e assomando ao caminho. Venho a saber que se tratava do Harry Potter que, cansado da personagem que vestia, resolveu despi-la, abanando a varinha por outros palcos. E ela ali estava na minha mesa, em foto de grande formato, brandida como sinalizador de má fortuna, sina malévola, feitiço iracundo.

Pela varinha de um mágico – assim conhecemos as dimensões do nosso aziago destino!

quarta-feira, março 14, 2007

Sacramentum Caritatis

Este post declara-se, desde já, perfeitamente alinhado com as mais oficiais e mais oficiosas doutrinas da Santíssima Igreja Católica. Por isso mesmo, deve a sua postura alinhada assumir, em consonância com o tom contemporâneo dos mais mediatizados discursos papais, a falibilidade do seu conteúdo, desgraçadamente humano apesar da vocação divina que a meditação e o ascetismo vão emprestando à sua aura pontificial. Pelos seus erros e equívocos, próprios da sua natureza corruptível, este post presta-se então a pedir desculpa pública e a cumprir penitência, uma vez decorridos 400 anos da sua produção...

Servimo-nos, então, de meios profanos para reiterar as palavras do papa Rottweiler I quando, inspirado pelo divino Deus (passe a sagrada redundância, que é a mesma coisa que ir para o paraíso duas vezes, numa insistência que só pode gerar pecado!), lavrou o recentíssimo Sacramentum Caritatis. Com desvelo angelical, o papa vem assim afinar o diapasão humano pelas mais finas sonoridades das hostes celestiais, ao reafirmar entre outras coisas a exclusão dos sacramentos aos recasados, o regresso ao Latim à velha igrejinha e, claro está!, a continuação do celibato dos padres…

É claro que tais promulgações por parte de Sua Santidade vêm deixar tudo exactamente na mesma: com os padres a confundirem o voto de castidade com um voto de clandestinidade, com a negação do entendimento da palavra do Senhor aos mesmos fiéis que, supostamente, a protelam, com os ditames que negam à instituição Igreja o poder de evoluir ao sabor do seu próprio tempo. Porém, há um novo aditamento a sublinhar no discurso do pontífice.

É que, para Rottweiler I, há instrumentos musicais, profanos por excelência, cuja sonoridade está manifestamente desafinada do coro dos anjos, pelo que violas, baterias e afins devem ser devolvidas a terrenos leigos, de onde nunca deveriam ter saído… Bem-Feito! Bem-feito para os padres (latino-americanos, maioritariamente), que têm a desfaçatez de introduzir alegria no seio de uma instituição que glorifica a tristeza, o sacrifício (contra os Evangelhos, o Novo Testamento e outros livros igualmente ultrapassados) ou o que Miguel Torga descreveu como o acto de “Pedir a alguém que sofra e se arrependa / Por causa da maçã que um outro mastigou”.

E agora, Padre Marcelo, Padre Borga e outros padres Top-Ten? Uma vez sujeitos a não ver mulher e a pendurar a viola, acabam a tocar o quê?...

O coração dos homens de boa vontade, obviamente!

segunda-feira, março 12, 2007

Reflexão de tasco: Afirmação tipificada do homem feminista


... e entre dois bagaços, o homem feminista afirma, peremptório:


- ... porque lá em casa, sou eu quem veste as causas!

quinta-feira, março 08, 2007

Para um não acomodado Bom Dia!

…“E és tu ainda estarmos sós com bairros de sonho
e tão breve se gastar o Dia que há em teu rosto”
(Victor de Matos e Sá)

Dizem que o dia de hoje tem rosto de mulher, como se os dias todos não o tivessem ou o ocultassem (ou o velassem). Entre o dia e o rosto há uma relação íntima, cadenciada num certo refulgir de olhos, numa manhosa languidez de fartas pestanas, que parecem sorver o dia todo na manhã clara da sua cintilação. Bom-dia, pois, que o dia renova-se na decifração da face que almeja “bairros de sonho”, desejando compensar todos os dias com a suprema vocação da leitura do dia. Um só, dele se abrindo o leque de todos os restantes.

Este dia, porém, quem o habita? Que sonho o ocupa? Que pálpebras se fecham para melhor o verem, no seu claro e apartado vislumbre – e que mulher sonha acordada à brevidade da sua passagem?


Quando repetimos o lema “dia da mulher”, parece-nos então que algo se desadequa, como se não coubesse o singular concreto nessa espécie de categoria universal: A mulher – Que mulher? Como a enunciar sem desrespeitar todas as mulheres? E como querer afirmar um dia de “todas as mulheres” sem faltar à definição universal da mulher, na sua diferença constitutiva? De mim, a ti, a ela – quem é realmente a mulher?

Lévinas ensinou-o. Há uma “ela” irredutível à relação eu-tu; uma alteridade onde plana, a distância inalcançável, essa altitude, de tal maneira que “ao fundo do tu” há uma “ela” que não se absorve em famílias, teoremas ou conceitos sobre a mulher, sobre as mulheres, sobre toda e qualquer mulher. Resta-nos esperar que seja “ela”, “ao fundo do tu”, a veladora desses “bairros de sonho” aos quais hoje damos os bons dias…

Sim, bairros de sonho. Porque sempre soubemos que o sonho é habitação precária, uma espécie de gueto ou enclave, um género de acampamento breve cortado cerce nos arredores do possível. E como sabemos, sabes também, porque é de ti que se trata quando falamos do dia da mulher: do teu quotidiano despertar para as coisas justas, do modo autónomo como vais ousando “sonhar a tua caravela” (Derrida) ou dessa tua ciência de ser maré viva, contra-corrente, areia fina na doce decantação do que há de mais impuro na secular dominação masculina. Para além de ti, sabes agora que há uma “ela” resistente, sobrevivente, recalcitrante – bom-dia a “ela”! Bom-dia a ti!

Deixa então que esse “tu” seja o pronome auroral do dia sempre breve da tua imposição. Cabe-nos enfunar as velas dessa tua ânsia de justiça; e forjar o teu descanso, alimentando a felicidade desse teu acontecer tão próprio, tão intransigentemente autónomo. E quando a madrugada vier extinguir o dia sob as tuas pálpebras cansadas, dar largas ao teu sonho, ao teu verbo, às irrepetíveis fulgurações de ti a quem agora, em vigília pelo dia fora, dou uma e outra vez um sereno e acolhedor bom-dia. Um bom dia, pois… Não da mulher, mas de todas as mulheres que circulam em ti. Quando tu és unicamente tu, no mesmo gesto em que és todas as mulheres do mundo…

…”Tu, demasiado tu

Para não seres a única possível

Imagem: Helena Almeida, Tela Habitada (1976)

quarta-feira, março 07, 2007

έζαίφνης

Prof Doutor Miguel Baptista Pereira (1929-2007)

Analisar o percurso de um professor é, inevitavelmente, rememorar o poder com que a sua voz, erguida de um canto passado, ressoa ainda nos corredores de um tempo indeterminado em que nos vamos vivendo e reconstruindo. É este um dos aspectos ocultos da sua obra bem como, para alguns, uma das manifestações do Ser não transportável para o domínio do cálculo, da explicação ou da medida. Por isto mesmo, há uma análise que se renega ante o pudor de nos reencontrarmos, na tímida desocultação da palavra escrita, com alguém cuja influência profunda marcou um tempo de aprendizagem, de chegada à luz, de momento pleno. Quando, certa vez, franqueei a porta do Instituto de Estudos Filosóficos para, muito juvenilmente, perguntar ao Doutor Miguel Baptista Pereira pelo significado do termo “έζαίφνης”, não sabia que a retumbância dessa palavra platónica me chegaria cadenciada pela sua própria voz, que hoje ressoa com a nitidez de algo a que não podemos chamar “passado” – porque realmente não chegou a passar. Tal é a experiência platónica de “έζαίφνης”, cujo significado remete à ideia de “momento pleno” que a formulação aristotélica de tempo numérico não pode conter. O sentido dessa palavra convoca o momento luminoso da transformação que, pela mão de alguns raros professores, é marca do peso insondável com que o Ser se oferece ao pensamento.

O ressoar dessa palavra grega, surgiu-me ao caminho quando hoje, quarta-feira, pelas 8 horas da manhã (hora exacta em que se iniciava a aula do “Doutor Miguel”), me noticiavam o desaparecimento desse mestre excessivo, desse génio impositivo de quem tive a sorte de ter sido aluno. Como modulação deste mesmo momento-pleno, como lembrou frequentemente Miguel Baptista Pereira, pensar(Denken) é também agradecer(Danken), numa dívida profunda para com aqueles cuja marca se pressente ainda no ensino de tantos outros. A última vez que o vi, em plena estação de Campanhã, foi esse mesmo assunto que evoquei, sem desconfiar que o seu aceno de assentimento era também o último que me endereçava em vida.

Marca inexorável do mistério do Ser, a morte é traumatismo profundo perante o qual todo o discurso emudece, ainda que refloresça como dádiva e esperança. Mudo, pois, ainda que reavivado pelo momento pleno em que a sua lição ressoou, sentimos hoje a morte de Miguel Baptista Pereira como assombrosa vertigem, instalada no interior do homem como intérprete nos caminhos do Ser.
Por isso mesmo, foi o próprio mistério insolúvel que lento e enternecido, extremo e contundente, caminhou hoje para o sepulcro, com ele levando um dos mais importantes vultos da Hermenêutica Filosófica deste século.
Para sempre o recordarei, έζαίφνης, como "mão que sempre se oculta quando dá" ou o dom do momento pleno que é o ensino do filosofar!

terça-feira, março 06, 2007

Cumprimento e aviso ao amigo chinês, que por cá me visitou

«- Mandarim, meu amigo, não é uma palavra chinesa, e ninguém a entende na China. É o nome que no século XVI os navegadores do seu país, do seu belo país…
- Quando nós tínhamos navegadores… - murmurei, suspirando.
Ele suspirou também, por polidez, e continuou:
- …Que os seus navegadores deram aos funcionários chineses. Vem do seu verbo, do seu lindo verbo…
- Quando tínhamos verbos… - rosnei, no hábito instintivo de deprimir a Pátria. Ele esgazeou um momento o seu olhar redondo de velho mocho – e prosseguiu paciente e grave: - Do seu lindo verbo mandar…» Eça de Queiroz, O Mandarim.

Não se trata de uma citação gratuita, admirativa ou ornamental. Trata-se, isso sim, de um cumprimento e de uma vénia. Quando descubro, por aqui, a brevíssima passagem por estes sítios de um cidadão chinês, vou imaginando a oriental paciência que terá aplicado para desvendar as linhas que neste espaço se vão escrevendo… Mas aproveito para deixar o aviso.

Caso esta passagem se deva a uma pesquisa infrutífera, cá vou saudando as errâncias do google, que me justificam a classificação deste blogue como um ECM (Espaço Cibernético Multicultural). Porém, caso esse extravio fortuito se deva a uma prospecção pelo perfil lusitano tendo em vista uma futura imigração, então esqueça. Oriente por oriente, antes Pol Pot a Paulo Portas, pois isto por cá não se recomenda a ninguém, mesmo que os seus compatriotas por aqui se multipliquem como verdete nas concavidades da Grande Muralha e ainda se mantenham relativamente impolutos aos hábitos grotescos desta lusa gente. Conceda-se ao prazer de esvaziar uma profecia de tons pouco simpáticos (que na altura a abordagem multicultural não era dado adquirido) do nosso Eça, até agora infalível no olhar recuado com que nos abençoou em páginas de intensa e aguçada crítica:

«Mas virá, todavia, o homem amarelo! Virá muito humildemente, muito pacificamente, em grandes paquetes, com a sua trouxa às costas, virá, não para assolar, mas para trabalhar. E é essa a invasão perigosa para o nosso Velho Mundo, a invasão surda e formigueira do trabalhador chinês.»

Cordiais saudações, deste seu “intelupto.brogspot”!

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